Juventude Transviada

Posted: sábado, 14 de agosto de 2010 by Marcelo Augusto in
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Há muito tempo se questiona até onde a linguagem do cinema se envolve com a sociologia. Tendo isso em vista, existem diversas maneiras de se abordar esse questionamento, contudo, essa análise se propõe a trazer como referência a obra Juventude Transviada, do diretor Nicholas Ray, para evidenciar essa relação complexa entre os estudos sociológicos e a sétima arte.A obra, de 1955, nos permite fazer inferências com seu contexto, e tendo isso como norte, podemos destoar aspectos interessantes de análises.



Abordando o contexto americano desse período, encontramos um período pós-guerra embasado em um complexo sistema de restruturação interna dos comportamentos dos cidadãos americanos, em âmbitos como a moral e o consumismo. O governo americano estimulava, ideologicamente, que a sua população retornasse aos valores estruturados na época antes das guerras, e que a moralidade dos anos 30 vigorasse. Nesse tocante, o modelo de economia dos EUA, o capitalismo, buscava encontrar pilares capazes de promover suas demandas, e com isso, deu inicio aos estímulos consumistas da sociedade, procurando imprimir em cada cidadão a sensação de auto satisfação no ato de fazer compras. Indústrias de beleza, como de roupas e outros artefatos, como a musica e o próprio cinema sofreram essa influência, servindo-se como veículo de consumo também.


Contudo, em meio a esse cenário, um certo anacronismo se formava: a sua juventude não absorvia essa necessidade moralística, e seus valores, permeados pelos impactos da guerra, os direcionavam a ir de encontro com o que era estabelecido. Subtende-se daí, o termo impacto de gerações , que se firmava nesse contexto de comportamento.Os jovens dos anos 50 vinham de outra formação, a sua maioria sem referência paterna, e inclusive, sem os padrões vigentes de comportamento do início do século. Essa juventude transviada, devido aos fins das guerras, era forçada, constantemente, a retornar aos valores que não eram seus próprios, e simultaneamente, viviam em um contexto diferente do que seus pais viveram enquanto jovens: o ambiente da socialização entre adolescentes, da socialização entre amigos, do fortalecimento dos estereótipos formados nas escolas, o bullyng, o da necessidade de consumo, de demonstração de poder aquisitivo. Falar disso exige, claramente, que se ressalte a evolução dos mecanismos de comunicação da época, e de como a juventude, antes não coesa, se integrava e formava seus próprios nichos.



Nesse contexto, a juventude passava a se sentir desajustada de sua realidade e se sentia coibida e coagida, procurando, de certa forma, ir de encontro com isso e se rebelar aos modelos exigidos. Exemplificando, temos o surgimento de vários movimentos não só políticos, mas inclusive comportamentais, como a Primavera de Praga, o surgimento do punk, dos hippies, e por que não citar, o surgimento do rock 'n roll. Surge daí ícones que representavam essa sociedade juvenil carente de atenção, que buscava em suas expressões, a sua afirmação. Elvis Presley se firma nesse ambiente e elaborando uma analogia, temos a figura de James Dean como seu correspondente no Cinema. Com isso esclarecido, procuramos fazer um resgate a diversos aspectos do filme Juventude Transviada que possam inferir aspectos dessa realidade esplanada.


Nicholas Ray, como uma vez informou, procurou, em Juventude Transviada, se comunicar com essa juventude desajustada, julgada como rebelde sem causa. Jim Stark, personagem central do filme, vivido por James Dean ( que era exatamente igual ao seu personagem ), representava, de forma simbólica, essa juventude, que buscava se auto satisfazer momentaneamente e com isso, buscava se autoafirmar e se localizar no seu tempo com sua concepção.


Vemos nesse traço; uma forma de abordar esse grupo juvenil como um grupo delicado, mais complexo e por isso, paradoxal. O seu paradoxo reside, demonstrado no filme, nessa necessidade do jovem de 1955 afrontar seus pais com o seu fraco moralismo, e contudo, em primeiro momento, buscar ser compreendido por eles. Dessa forma, Jim busca apoio de seus pais para viver de acordo com seus princípios, mas vivia em eterno desacordo com eles, que por outro viés, buscavam demonstrar o status de família típica dos ano 30: estruturada, com o filho comportado e doutrinado pacificamente pelo seus pais.


Abordando o filme, em sua temática, pergunta-se: qual é a maior semelhança entre os três personagens centrais da trama? A resposta é: o desajuste. Tanto Plato, como Judy e Jim possuíam problemas com seus pais, em seus diversos pólos: enquanto Jim sofria com a passividade e o medo dos seus pais de tê-lo como perigo ao seus status de família,Plato representava a figura desprotegida pelos pais que vivia por remessas de dinheiro, aos cuidados de sua empregada, sofrendo bullyng em seu colégio, sem nenhuma referência masculina ; Judy sofria com a forma de como seus pais a viam nesse novo contexto no qual o jovem precisava se sentir afirmado pelos seus amigos, vivendo da forma como eles viviam, ao consumismo frenético. ( Nota-se como os pais deixavam de ver suas filhas como inocentes, e tinham medo de sua aproximação, como no simples pedido de um beijo paternal )


Nesse foco, o filme vai destruindo todas as instituições cena a cena. Nicholas se preocupou em mostrar como o jovem vivia descompassado com o moralismo da época; vemos a polícia como arma de coação familiar, o colégio como palco de correção comportamental e assim, sucessivamente, tendo a família como a instituição mais falha. Para demonstrar essa falha, o diretor lançou mão de uma técnica cinematográfica: a representação da superficialidade dos adultos. Durante o filme todo, Ray procura mostrar como os pais estão entretidos em manter seus filhos de acordo com os moldes de status da época, e de como a família não se interessava em ouvir seus filhos, mas sim em silenciá-los para que os vizinhos não os ouvisse também.



O diretor brinca também com as cores, atribuindo os tons vermelhos e febris para os jovens, em especial na figura de Jim, para representar esse grito preso dos jovens, de como eles buscavam se expressar, e em contraponto, veste os pais com roupas mais neutras, para demonstrar suas moralidades, os seus comportamentos reacionários. O jovem perdia a referência de sua casa como norte, e com isso, passavam a se construir na rua, com os modelos propostos pelos amigos, nessa socialização mais forte do que se imaginava.


Outro aspecto interessante do filme é de que ele todo se passa no espaço-tempo de 24 horas, ou seja, de um dia só, para refletir como o jovem buscava a satisfação momentânea, e serve como uma retratação também crítica, apesar do filme se servir a ele. O diretor busca mostrar, também, de como o jovem era ainda infantil, sem também referência de infância, carente de atenção, apesar de suas aspirações em ser adulto. Ray problematiza essa questão, permitindo diversas análises, tornando o seu filme uma ótima fonte de pesquisa. O diretor também busca, como disse Geoff Andrew, editor chefe de cinema da revista Time Out de Londres, elaborar uma dicotomia entre os espaços públicos e privados no filme para que pudéssemos compreender as emoções dos personagens, mostrando o cenário escuro do planetário como refúgio para que os jovens falassem de seus sentimentos, e o cenário claro do estacionamento do planetário para mostrar a agressividade febril dos jovens envolvidos.


Durante o filme, uma das preocupações dos pais de Jim é em deslocá-lo de vários lugares para que ele pudesse ter um novo recomeço. Nesse sentido, Ray busca evidenciar que esse fenômeno de contracultura (movimento de combate ao modelo reacionário cultural) era universal, e que a ideia de família perfeita se esvaziava passo a passo.


A obra busca abordar outros conceitos através da sua duração, de forma mais implícita, como a sexualidade incontrolável que se surgia, o machismo, o preconceito e a disseminação da violência entre jovens. Alguns críticos veem no filme Juventude Transviada uma certa romantização da delinquência infantil e apontam isso como uma ideia fixa no cinema; como nos filmes Blade Runner e Laranja Mecânica. Esse apontamento não deixa de ser verdade, mas deve-se entender que o Cinema não só daquela época, como o de agora, busca estabelecer elementos dentro da narrativa do filme que faça com que o público se identifique com os personagens centrais da trama.

Outra questão que surge do filme é: qual é o verdadeiro motivo pelo qual os três jovens buscam simular a sua verdadeira e perfeita família, quando fogem da cidade ? Nicholas busca enfatizar a ideia de que o jovem considerava seus amigos como a sua verdadeira família, porque os jovens compartilhavam das mesmas ideias e sensações contextuais. A família real perdia seu papel.


Após essa dissecação do filme, buscamos entender o chamado fenômeno James Dean. O ator, apesar de ter feito apenas três filmes (Juventude Transviada, Vidas Amargas, Assim Caminha a Humanidade), já que morreu de acidente de carro no seu Porsche,(devido a alta velocidade, como ele mesmo previra que um dia morreria) consagrou-se e se eternizou como símbolo daquela época, como simbolo de descompasso e de efervescência juvenil, na mesma ideia de Elvis Presley. O Ator, assim como seu personagem, vivia aos seus moldes, e deu início a uma série de influências em sua época, como o uso de jaquetas vermelhas, o seu corte de cabelo etc […] James Dean não buscava quase nunca saber sobre suas notícias em jornais sensacionalistas e gostava de ser visto como rebelde. Tanto Natalie, como Salo, estrelados como Judy e Plato, se apaixonaram por Dean, que causava esse efeito nas pessoas com as quais vivia.



De uma certa forma, Dean representava o fortalecimento da cultura pop e sua figura foi manipulada pelas mídias para que servisse de veículo de consumo entre seus fãs. No entanto, é inegável a sua habilidade formidável no cinema, sendo ele visto como, talvez, ao lado de Marlon Brando, o melhor ator do mundo.


Juventude Transviada, assim como inúmeros outros filmes, evidenciam que as vezes o Cinema pode representar, em sua linguagem exclusiva, o momento histórico que passa, servindo aos propósitos de seu diretor, como no caso de Nicholas, que desejava se comunicar com esse grupo juvenil. A sociologia é decodificada por diversos símbolos, e os símbolos do Cinema, como diz o professor de Filosofia, Julio Cabrera, professor da UnB, servem para que possamos obter uma aprendizado cognitivo amplo e experimental, que nos faz não só entender conceitos sociológicos e filosóficos, mas nos faz nos apropriar deles para toda nossa vida.