Um ensaio sobre a cegueira
Posted: sábado, 1 de agosto de 2009 by Marcelo Augusto inDireção: Fernando Meirelles | |
Roteiro: Don McKellar | |
O romance aborda a emergência de uma inédita praga de uma repentina cegueira abatendo uma cidade não identificada, inexplicável e incurável. Tal "cegueira branca" — assim nomeada pois as pessoas infectadas percebem em seus olhos nada mais que uma superfície leitosa — manifesta-se primeiramente em um homem sentado no trânsito e, lentamente, se espalha pelo país. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros seres lutando por seus instintos. À medida que os afectados pela epidemia são colocados em quarentena, em condições desumanas, e os serviços estatais começam a falhar, a trama segue a mulher de um médico, a única pessoa que não é afetada pela doença que cega todos os outros.
O romance nos mostra o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização e, mais que comentar as facetas básicas da natureza humana à medida que elas emergem numa crise de epidemia, Ensaio sobre a cegueira mostra a profunda humanidade dos que são obrigados a confiar uns nos outros quando os seus sentidos físicos os deixam. O brilho branco da cegueira ilumina as percepções das personagens principais, e a história torna-se não só um registro da sobrevivência física das multidões cegas, mas também das suas vidas espirituais e da dignidade que tentam manter. Mais do que olhar, importa reparar no outro. Só dessa forma o homem se humaniza novamente.
O autor português não deixa de ter razão: ao assistir a uma adaptação de qualquer obra para as telas é inevitável que as imagens que você criou em sua mente sob a condução do texto deixem de existir, substituídas pela "realidade" filmada.
Por outro lado, é tentador observar o choque de criações, de visões, entre dois tipos de criadores - o contador de histórias textual e o visual. Ainda mais quando se trata de um cineasta que não teme o estilo e sabe usá-lo, como Fernando Meirelles (Cidade de Deus). Assim, gosto de acreditar que esse foi um dos motivos pelos quais Saramago finalmente cedeu: a curiosidade de ver outro grande talento dando sua visão particular a uma obra pré-existente.
Meirelles não decepciona. O filme Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008) tem visual esmerado, resultado do que aparentam ter sido muitas (e longas) conversas sobre como se representa a cegueira para o público, capaz de ver. A resposta vem em três frentes. Além da direção de Meirelles há a soberba fotografia de César Charlone (que além dos dois mais recentes filmes de Meirelles fez também O Banheiro do Papa) e a edição irretocável e inspiradíssima de Daniel Rezende (Cidade de Deus, Tropa de Elite).
A trama narra uma inexplicável epidemia de cegueira e se passa em grande parte dentro de uma estrutura de confinamento para os que perderam a visão. Nos claustrofóbicos interiores, o Ensaio Sobre a Cegueira do trio vale-se de superexposição, foco e abstracionismo sensível, mas usando apenas variações tonais dessaturadas que levam ao branco, com surpreendente resultado. Nos vazios exteriores do terceiro ato, um amálgama urbano formado por partes de São Paulo e Montevidéu, encontramos outro tipo de contraste e, enfim, o preto - na seqüência mais "cega" do filme, excepcional. A cegueira é uma metáfora.
O filme é formidável e ao mesmo tempo díficil. Ao abordar um tema tão intríseco a humanidade, o filme se torna digno de diversas críticas. Sua abordagem não apresenta uma linha clara, uma vez que, o filme oscila entre uma violenta sequencia de fatos de desgaste humano, e oscila também entre uma redescoberta da verdadeira humanidade.
Dessa forma, as críticas foram sumariamente divididas: para alguns, o filme se tornou um choque de criação, uma desvirtualização do livro, uma banalização da verdadeira mensagem que Saramago queria passar. Esses críticos interpretam o filme como desconexo demais, um filme que tinha tudo para ser reflexivo, mas que seguiu uma tendencia hollywoodiana demais , tornando o filme uma obra opaca, cansativa, ininteligivel e com uma crítica redirecionada.
Para outros críticos, o filme foi sim um filme violento, mas um filme que retrata nada menos que a violencia embutida nos seres humanos. O filme aborda a história de um jeito ofegante, e ao mesmo tempo analisa o ser humano sem seu sentido de visão, perdido entre o que era ser humano e o que é ser agora humano. O caminho pela nova humanidade passa pelo seu trajeto mais díficil para depois seguir á uma nova descoberta, a descoberta coletiva de humanidade: a fragilidade do ser humano e a dependencia de um ser humano pelo outro.
Para mim, o filme é um digno mito alegórico. Ele encara a humanidade de uma forma acanhada no começo, depois a torna violenta, e por fim, a torna incapaz. O filme é uma obra rara no mundo cinematografico. Infelizmente, a obra no qual o filme se abordou, foi sim desvirtualizada. E a mensagem final do livro foi sim distorcida, uma vez que foi encaminhada para um final feliz típico de cinemas modernos. O filme encanta e ao mesmo tempo machuca. Vale a pena conferir tamanho percusso humano que as personagens fazem para dominar a situação de cegueira. O autor do livro se encantou, mas deve ter sentido falta de sua mensagem final.
O filme contém cenas brutas, cenas escandalosas, cenas até cruéis e nos reportam a quão frágil o humano é. Um filme dessa raridade é digno de ser pensado e repensado, nem que para isso, seja incriminado. O importante é abrir a mente humana para a realidade da humanidade: somos todos suscetíveis aos outros. Falhamos e nos individualizamos. E vamos pagar por isso, ou melhor, já estamos pagando.
sou meio suspeito pra falar de Fernando Meirelles, o cara é, simplesmente um genio e neste ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, consegue desvencilhar-se de estereotipos e monta uma obra palpável, além de uma critica social ferrenha...
se até José Saramago, autor do livro, se emocionou vendo o filme, nós não temos mais nada a acrescentar...
otimo texto... tenho um blog sobre cinema tmb...
passa lah www.cinemaepipoca.blogspot.com